Dançar exige técnica, disciplina e sensibilidade. Mas, em alguns corpos, a dança ultrapassa o físico e se transforma em puro instinto e coragem. Alicia Alonso foi esse tipo raro de artista.
Mesmo com a visão gravemente comprometida, ela construiu uma das carreiras mais impressionantes da história do ballet.Se tornou lenda não apenas pelos papéis icônicos que dançou, mas pelo que representou: uma mulher que dançava com os olhos do coração.
Raízes de uma estrela
Alicia nasceu em 21 de dezembro de 1920, em Havana, Cuba. Filha de um veterinário e de uma modista, teve acesso à arte desde cedo. Começou no flamenco ainda criança, e aos 11 anos ingressou no ballet formal na Sociedad Pro-Arte Musical. Mais tarde, estudou na School of American Ballet, em Nova York, onde sua carreira internacional começou a despontar.
A luta contra a escuridão
Aos 19 anos, Alicia teve um descolamento de retina que a deixou com a visão severamente prejudicada — uma condição que se agravaria com o tempo.
Ela chegou a ficar deitada por um ano inteiro após uma operação, mas, mesmo assim, continuava se ensinando a dançar mentalmente.
Seu mantra durante a recuperação era simples e poderoso:
“Mantenha os pés vivos.”
E foi isso que ela fez. Dançou mesmo sem enxergar claramente o palco, os colegas ou a plateia.
A dança como adaptação
Para conseguir se apresentar, Alicia criava estratégias coreográficas visuais. Usava bolas coloridas de luz no palco para marcar onde deveria estar. Decorava cada centímetro do espaço. Contava com os sons e com a memória do corpo.
Ela transformou a deficiência em potência.
Transformou o impossível em espetáculo.
Carreira brilhante
Alicia foi uma das maiores intérpretes de “Giselle” e ficou conhecida por sua expressividade inconfundível. Fundou o Ballet Nacional de Cuba, que dirigiu por 71 anos, e dançou profissionalmente até os 70 anos de idade.

Foi reconhecida com o título de “Prima Ballerina Assoluta”, uma honra reservada apenas às bailarinas que marcaram a história da dança mundial.
Frases que marcaram
“Mantenha os pés vivos”
Enquanto se recuperava de cirurgia, sem saber se dançaria de novo.
“Dançava no escuro, iluminava o mundo”
Frase que ficou eternizada para descrever sua trajetória.
“A dança não termina quando a música para. Ela continua em quem assiste, em quem sente.”
Alicia Alonso faleceu em 2019, aos 98 anos, deixando um legado de arte, força e inspiração para dançarinos de todo o mundo. Sua vida nos ensina que os obstáculos também fazem parte da coreografia da vida — e que é possível criar luz mesmo quando tudo parece escuro.
A história de Alicia não é só sobre dança. É sobre resiliência, reinvenção e coragem. É sobre continuar, mesmo quando o corpo hesita e a visão falha. E acima de tudo, é sobre transformar a dor em arte — com os pés vivos e o coração aceso.

